terça-feira, 25 de março de 2014

Um poeta e um poema por dia - XX

Hoje, Vitorino Nemésio

"Teu Só Sossego aqui Contigo AusenteTeu só sossego aqui contigo ausente 
Na casa que te veste à justa de paredes, 
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente 
Dos cuidados que deixas ao partir, 
A doce estância toda povoada 
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto 
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine, 
Como uma estátua fiel ao labirinto. 
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas, 
Farmácia chamo à tua colecção de vidros 
Onde, à margem de planos e de somas, 
Tenho remédio para os meus alvidros. 
O chá é forte e adstringente, 
O leite grosso sabe à ordenha, 
E até nos quadros vive gente 
À espera que a dona venha. 
Porque tudo nos tectos é coroa, 
No chão as traînes, os passinhos salpicados 
Como o vento ainda longe de Lisboa 
Escolheu a gaivota do balanço 
Que no cais engolfado melhor voa: 
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo 
Chegues no ar medido e a aço propulso: 
Por isso um pouco de fogo 
Bate sanguíneo em meu pulso, 
Pois o amor de quem espera 
É uma graça a vencer. 
Uma casa sem hera 
É como gente sem viver." 

Vitorino Nemésio, in "Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga"

1 comentário:

  1. "Se Bem Me Lembro"...gostei muito de ouvir Vitorino Memésio, nas sua palestras televisivas! Dava gosto ouvir o escritor/ poeta açoriano nas suas dissertações sobre tudo um pouco!
    Também, já o publiquei num poema a Marga...
    Este é muito belo!

    Um beijo, António.

    Janita

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