segunda-feira, 24 de março de 2014

Um poeta e um poema por dia - XIX

Hoje, Vasco da Graça Moura

"insinceridadequis-nos aos dois enlaçados 
meu amor ao lusco-fusco 
mas sem saber o que busco: 
há poentes desolados 
e o vento às vezes é brusco 

nem o cheiro a maresia 
a rebate nas marés 
na costa de lés a lés 
mais tempo nos duraria 
do que a espuma a nossos pés 

a vida no sol-poente 
fica assim num triste enleio 
entre melindre e receio 
de que a sombra se acrescente 
e nós perdidos no meio 

sem perdão e sem disfarce, 
sem deixar uma pegada 
por sobre a areia molhada, 
a ver o dia apagar-se 
e a noite feita de nada 

por isso afinal não quero 
ir contigo ao lusco-fusco, 
meu amor, nem é sincero 
fingir eu que assim te espero, 
sem saber bem o que busco." 


Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

2 comentários:

  1. Este poema deixou-me dividida e numa amálgama de sentimentos contraditórios, António!
    Fico contente que, com este poema, mais uma homenagem seja feita a V.G.M., que tem recebido o reconhecimento por parte das nossas entidades governamentais, ainda em vida! As homenagens a título póstumo, fazem-me lembrar aquele fado de Coimbra, "Rosas Brancas"...sabe qual é?
    Por outro lado, quando acabei de ler o poema, senti vontade de chorar!
    Não me pergunte porquê!

    (...)
    Não me conheço ao espelho:
    Serei eu? Não serei eu?
    Já deixou de ser vermelho
    Um coração que bateu.

    E assim me despedaço,
    Sem salvação nem socorro:
    Se não sou eu, me desgraço
    Se sou eu, sinto que morro.

    O final de "Os nossos tristes assuntos".

    Porque liguei um poema ao outro, para além de serem ambos do mesmo autor...não sei!

    Amanhã ainda voltarei para o 'trereler':)
    (gosto de inventar palavras)

    Vantagem dos não-eruditos!

    Um beijo e uma noite serena.

    Janita

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  2. Janita, Gostei muito do seu comentário. Este poema também me causa perplexidade... Mas, claro, como a Janita também escreveu, há vantagem em não sermos eruditos. De uma maneira geral a poesia de VGM deixa-me sempre 'atrapalhdo'. Estou a lembrar-me de "Fanny", por exemplo.
    Gostei, também de sua palavra deveras erudita: "trereler". Uma noite linda e tranquila. Um beijo e um excerto do "soneto do amor e da morte":
    "tivesse de acabar, sempre a doer,
    sempre a doer de tanta perfeição
    que ao deixar de bater-me o coração
    fique por nós o teu inda a bater,
    quando eu morrer segura a minha mão."

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