quarta-feira, 12 de março de 2014


Um poeta e um poema por dia - VII

Hoje, Herberto Helder

"Sobre um PoemaUm poema cresce inseguramente 
na confusão da carne, 
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, 
talvez como sangue 
ou sombra de sangue pelos canais do ser. 

Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência 
ou os bagos de uva de onde nascem 
as raízes minúsculas do sol. 
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis 
do nosso amor, 
os rios, a grande paz exterior das coisas, 
as folhas dormindo o silêncio, 
as sementes à beira do vento, 
- a hora teatral da posse. 
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. 

E já nenhum poder destrói o poema. 
Insustentável, único, 
invade as órbitas, a face amorfa das paredes, 
a miséria dos minutos, 
a força sustida das coisas, 
a redonda e livre harmonia do mundo. 

- Em baixo o instrumento perplexo ignora 
a espinha do mistério. 
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne." 

Herberto Helder

2 comentários:

  1. Um Poema que li e reli
    e nas entrelinhas entendi
    uma forma de amar
    enfurecida e viril
    que o poeta fez sustentável.

    Acordando o silêncio onde
    antes havia; um suposto
    adormecimento inalterável...

    Boa noite, António! É o primeiro poema que leio deste autor, mas não fico por aqui.

    Um beijo e um abraço.

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  2. Janita,
    Gostei muito do seu poema. Afinal, a inspiração voltou. Ainda bem.
    Buona notte.
    Un baccio e un abbraccio,
    António

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